segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Mármore de Cachoeiro: Saga com Sotaque Português


Essa reportagem é fruto de uma pesquisa feita por mim, para a Revista Rochas, no ano de 2001. Foi talvez a última entrevista de Og Dias de Oliveira, considerado o "precursor" do mármore capixaba. A entrevista foi concedida em seu modesto solar, na Tijuca (RJ).  Como deixei a redação da revista, ela foi publicada posteriormente pela Revista Sociedade Capixaba, do saudoso Ricardo Leandro, falecido no trágico acidente aéreo da Gol, no voo 1907, em 2006. 



Os primeiros relatos da exploração do mármore em Cachoeiro de Itapemirim situam-se entre as décadas de 20 e 30, quando um emigrante português chamado Joaquim Bernardino teria feito as primeiras tentativas de extração do mineral. Pouco se tem de documento que atestem estas iniciativas, a não ser alguns registros literários. Na verdade, a exploração sistemática do mármore no sul do Espírito Santo, na forma comercial, teve como pioneiro o capixaba Og Dias de Oliveira, que foi apoiado pelos portugueses Orlando Lopes da Costa e Silvio Fernandes, com a retaguarda de Horácio Scaramussa.
Nascido em Muqui, em 1928, Og mudou-se para os arredores de Campos aos dois anos de idade. Com 12 anos, foi para Niterói, antes de se estabelecer definitivamente no Rio de Janeiro e conhecer Terezinha Francisca, descendente das famílias Depra e Sabino da Cunha, de Prosperidade, localidade pertencente na época a Cachoeiro de Itapemirim.
Terezinha era sobrinha de Horácio Scaramussa, por parte de sua esposa Albertina Depra. Ela conta que, em 1948, já casada com Og, resolveram visitar os parentes em Prosperidade. Na noite anterior à viagem, Og teve um sonho: “Antes de partirmos ele me disse que sonhou com muitas riquezas nas montanhas da região do Espírito Santo para onde estávamos indo” – recorda-se. De fato, daquela data até 1956, Og passou a ir com mais freqüência à Prosperidade. Lá, ele se embrenhava nas montanhas para caçar passarinhos e recolhia amostras das pedras brancas que encontrava pelo caminho, que eram levadas para serem analisadas no Rio de Janeiro. O Departamento Nacional de Produção Mineral, órgão do Ministério da Agricultura, constatou que se tratava de um mármore de grande valor comercial.
Em julho de 1956, segundo o empresário Luiz Scaramussa (Mineração Santo Antônio), OrlandoLopes da Costa e Silvio Fernandes desembarcaram de trem em Cachoeiro. Foram levados por Og para conhecerem os minerais rochosos de Prosperidade. Luiz conta que foi ele mesmo quem selou os cavalos para buscá-los na estação ferroviária. Estava selado ali o destino daquela região, que viria a se tornar a maior produtora de mármore do Brasil nas décadas seguintes. “No DNPM me falaram que havia mármore na região para mais de 400 anos de exploração” – conta o próprio Og, ao receber a reportagem da REVISTA ROCHAS no solar onde mora, à rua Aureliano Portugal, no bairro Rio Comprido, no Rio de Janeiro, aos 75 anos de idade.
Apesar de estar com a saúde bastante debilitada, Og se recorda bem do início dos trabalhos de extração do mármore. Ele conta que, alguns meses mais tarde, voltaria a Prosperidade com Silvio e Orlando para iniciar os trabalhos de exploração, financiados pelos também portugueses Antônio (Nico) Ferreira e Bento José, marmoristas do Rio de Janeiro que lhes compravam toda a produção. Og acrescenta que, grande parte do mármore comprado por Nico Ferreira e Bento José seguia para as obras de construção de Brasília. “Tem muito mármore de Cachoeiro naquelas construções” – exalta.
Outro fato quer merece registro é que, como os sócios de Og não podiam registrar as pedreiras, por serem portugueses, nem ele, por ser funcionário público, o DNPM exigiu que fosse feito por alguém da própria região. Registraram então em nome de Horácio Scaramussa. Na ocasião, foi feito um acordo envolvendo os proprietários de terra na região propensa à lavra, em Prosperidade e adjacências.
Em outubro de 1956, foi extraído o primeiro bloco, ainda de tamanho reduzido. Cassimiro Costa, encarregado de pedreira em Italva (RJ), foi contratado para realizar a proeza. Estava fundada a primeira empresa de extração de mármore de Cachoeiro, a Mineração Orlando Lopes da Costa (MOLC), que chegou a ter cerca de 50 funcionários. Para se ter uma idéia da importância do advento, vale lembrar que hoje a indústria de rochas ornamentais no Espírito Santo emprega mais de 20 mil pessoas e exportou de 225 milhões de dólares, no ano passado. Luiz Scaramussa, que também trabalhou na MOLC e é considerado por Og como um irmão caçula, guarda um pedaço remanescente desse primeiro bloco. Ele o transformou na provável primeira obra de arte em mármore cachoeirense, fazendo um entalhe com a imagem do Papa Pio XII.
Anos mais tarde, em 1962, Cassimiro Costa fundaria sua própria empresa, a Mineração Santa Clara, administrada atualmente pelo seu neto Emic Costa. Em pouco tempo, outras jazidas foram sendo descobertas nas regiões circunvizinhas à Prosperidade. Emic enumera as localidades de Itaóca, Alto Gironda, Pedra Branca, Santo Antônio, Claros Dias, Alto Moledo, Santana e Córrego Alto como partes de uma grande cadeia rochosa onde se percebe a presença do mármore na região, formando a maior reserva conhecida do Brasil.
De acordo com Og, o início das extrações foi extremamente difícil. “Tivemos que fazer 11 quilômetros de estrada para retirar o mármore. Os blocos subiam a serra por uma estradinha feita no muque, fato que era motivo de admiração para as pessoas” – conta. Mais tarde, na década de 80, Og receberia pela proeza o título de “Cidadão Cachoeirense” concedido pela Câmara Municipal de Cachoeiro de Itapemirim, proposto pelo edil Ito Coelho.
Alguns anos mais tarde, Og deixou a sociedade com os portugueses em função do trabalho que exercia na Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Silvio e Orlando fundaram, então, com Ancelmo Scaramussa (filho de Horácio Scaramussa), a Alvo Mármore, que veio a ser a segunda empresa de mineração de mármore da região. Praticamente na mesma época, Nico Ferreira e Bento José fundariam a Pedra Branca, tendo Luiz Scaramussa como gerente. A Alvo, posteriormente, foi vendida para a Marbrasa, hoje também uma das grandes do setor.

Benjamim Zampirolli

Outro pioneiro da extração de mármore é Benjamim Zampirolli, que entrou para o ramo bem mais tarde, em 1965. Ele conta que sua vida de empresário de rochas teve início em Cachoeiro Alta, na região de Santana, perfurando platôs de mármore com marreta e um pedaço de aço, num esforço prolongado por 15 dias para se extrair apenas um bloco. Na época, não havia serraria de mármore em Cachoeiro, o que obrigava o empresário a vender sua produção para atravessadores. Zampirolli comprou seu primeiro tear em 1970. Era um tear de “fundo de quintal”, como ele mesmo diz, que foi adquirido a troco de blocos de mármore, em São Paulo. Hoje, suas pedreiras extraem mais 2.000 metros cúbicos de mármore por mês, dispondo de equipamentos de última geração.

Irmãos Maria

No começo o mármore produzido em Cachoeiro era transportado por trem para Vargem Alta. Os primeiros transportes rodoviários de mármore foram feitos pelos conhecidos “Irmãos Marias” – Joaquim, Belmiro e Manuel (Bigode) – que levavam quase um mês para chegar ao Rio de Janeiro. O apelido deve-se ao fato deles andarem sempre juntos com seus caminhões Ford F-8. Antes do embarque, o mármore era transportado por juntas de bois para subir a serra de Prosperidade. Também pioneiros no transporte rodoviário de blocos de mármore estão os irmãos Olímpio e Ricardo Guidi, que na década de 60 faziam a rota para o Rio de Janeiro em caminhões Alfa Romeu. Ricardo Guidi se transformou num grande empresário do setor.

Começando o desdobramento 

O primeiro tear com estrutura de ferro de Prosperidade começou a funcionar em 1963. Tinha uma roda de madeira, com suportes cônicos, que faziam a elevação da água e areia para o atrito necessário das lâminas sobre o bloco. A serrada era bastante improvisada e a movimentação do dos blocos era feita com auxílio de um macaco “chicão”. Ainda existem em Prosperidade, desativados, dois dos três primeiros teares dos Scaramussa. Um deles, de Daniel Scaramussa (primo de Horácio), funcionou até pouco tempo. O outro ainda mantém a turbina movida à água e traços da engenharia que movimentava suas pesadas lâminas sustentadas por colunas de madeira. Também em Prosperidade, a reportagem da ROCHAS DE QUALIDADE encontrou as ruínas da primeira jazida explorada de mármore. A pedreira está sendo soterrada, pondo fim a um importante documento histórico que guarda a memória da vocação empresarial da região.

Desdobramento

Em Cachoeiro de Itapemirim, foi pelo médico Marinho Salviano da Costa que os primeiros teares totalmente de ferro foram instalados. Doutor Marinho entrou para o ramo da mineração numa sociedade com Joacyr Viana, quando adquiriram, em 1964, uma pequena pedreira de mármore branco, localizada em Itaóca. Dois anos depois seria então implantada a serraria, com a aquisição de teares de São Paulo.
Na história do beneficiamento do mármore e do granito em Cachoeiro de Itapemirim, o nascimento da indústria de bens de produção tem um capítulo à parte. Com a vinda dos teares, surgiu também a necessidade de se estabelecer uma infraestrutura que desse suporte à manutenção das dispendiosas e pesadas máquinas de serrar blocos.
Assim, em 1969, nasceu a Comércio, Indústria, Mecanica, Elétrica e Fundição Ltda (Cimef). Seus sócios fundadores foram Marinho Salviano da Costa, Heinz H. G. Kaschner e Hans Beerli. Além da fabricação de teares, a Cimef fabricaria também outras máquinas para a indústria cachoeirense, e daria assistência às máquinas já existentes.
Outro nome importante no desenvolvimento tecnológico do setor é o do empresário fluminense, de origem portuguesa, Celso de Oliveira Araujo, proprietário da Indústria de Mármores Italva (Imil), que também é um dos pioneiros na exploração do mármore em Cachoeiro. Foi através dele que, em 1970, blocos de mármore foram enviados para a Bélgica para que fossem testados os primeiros equipamentos diamantados. Na ocasião, o empresário encabeçou uma missão de pessoas ligadas ao setor que foi para a Europa acompanhar os experimentos.
O que diferencia Celso de Oliveira Araújo dos demais pioneiros do setor no Espírito Santo é o fato dele já ter vindo para Cachoeiro com experiência na área de mineração, adquirida em Italva (RJ). Ele conta que quando começou a exploração em Gironda, na segunda metade da década de 50, utilizava rudimentares marteletes à gasolina para perfurar a rocha. Hoje a Imil é uma das maiores exportadoras de mármore do Brasil.

Sindicalização

A necessidade de organização do setor marmorista, que não parava de crescer, fez com que, em 1973, fosse fundado o sindicato patronal do setor de rochas e calcário em Cachoeiro de Itapemirim, que assumiu a função de aprofundar as negociações com o Poder público, dando início a uma nova fase no segmento. O sindicato, que mais tarde assumiria a nomenclatura de Sindirochas, queria aproximar as fronteiras de exportação ao Espírito Santo, viabilizando o escoamento de mármore pelo Porto de Vitória, uma vez que os embarques pelo Rio de Janeiro oneravam os custos e dificultavam a operacionalização.
Já em 1982, as exportações dos produtos cachoeirenses (mármore e granito), ultrapassavam a casa dos 33 milhões de dólares. Neste mesmo ano, o Sindirochas, através de seu presidente, Augusto Salles, começou uma campanha procurando lançar outras empresas na área de exportação. Para conseguir diminuir os gastos naturais desta iniciativa, conseguiu reunir um grupo de empresas, ainda inexperientes, fundando um consórcio denominado Marmerexport. Este novo organismo agia em nome dos novos exportadores, pagando as despesas de custos através de rateio. A criação da Marmoexport foi uma conquista do sindicato, cujos primeiros passos foram dados durante o IV Encontro dos Industriais do Mármore e do Granito do Brasil, realizado em Cachoeiro, em julho de 1981.

Cetemag

A preocupação com a competitividade dos produtos exportados e a racionalização do processo de produção fez com que, em 1988, fosse criado o Centro Tecnológico do Mármore e do Granito (Cetemag). As atenções passaram a se concentrar nos aspectos técnicos e gerenciais. A melhoria do padrão de desempenho, os ganhos de produtividade, a redução de custos de produção e o aprimoramento das práticas de comercialização, dentre outros temas, entram na pauta das preocupações e evidenciam a necessidade de promover a modernização tecnológica da indústria do mármore e do granito.
O Cetemag deveria agir como entidade civil, sem fins lucrativos, aberta a toda e qualquer empresa que atuasse direta ou indiretamente no setor. Seria uma espécie de agente de identificação das necessidades técnicas das empresas e de viabilização de seu equacionamento. Com o Cetemag, iniciava-se uma nova etapa do processo de desenvolvimento da indústria do mármore e do granito do Espírito Santo.
O Cetemag passa a oferecer cursos de treinamento de gerentes de serraria, junto com o Serviço Nacional de Aprendizagem à Indústria (Senai), o Núcleo de Informações Tecnológicas do Espírito Santo (Nites) e a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Simultaneamente, universitários passam a estagiar nas empresas do setor e ali descobrem um novo mercado de trabalho.
Os estudos realizados pelo Cetemag e pelo Nites passaram a ser publicados na revista ROCHAS DE QUALIDADE, do português Emanuel Mateus de Castro, única publicação especializada editada no Brasil, que, com isso, ganha consistência técnica, aumenta o número de páginas e passa a funcionar como o principal canal de difusão do setor de rochas ornamentais. A cada edição, mais da metade das páginas são preenchidas com a descrição de métodos técnicos e recomendações técnicas geradas por pesquisadores do Espírito Santo e de outros centros. Desta forma, a história da revista praticamente se confunde com a própria história do mármore capixaba.

Feira do Mármore

No final da década de 80, o jornalista José Carlos Dias circulava pelos corredores do Poder, em Brasília, e pelas repartições públicas de Cachoeiro e do Rio de Janeiro, em busca de apoio para um grande projeto, que poderia selar de vez o processo de incremento das exportações de rochas ornamentais: a criação da Feira do Mármore e do Granito de Cachoeiro de Itapemirim. Dias chegou a conversar com políticos influentes sobre seu projeto e obteve apoio do Ministério da Indústria e do Comércio, mas uma proposta do Correio Brasiliense, para trabalhar na redação do jornal, em Brasília, o fez abandonar o projeto.
Mais tarde, em novembro de 1989, a Feira do Mármore e do Granito finalmente é constituída, graças à ativa organização de Cecília Milaneze, que contou com apoios importantes, tais como: Sebrae-ES, Bandes, Banestes e Secretaria de Estado de Indústria e Comércio. Os cerca de 40 expositores locais experimentavam uma nova forma de comercialização, mais organizada e agressiva. Vendas com local e horário previamente definidos.
A segunda versão da Feira assumiu expressão nacional, atraiu expositores de outros estados e gerou um caderno espacial na Gazeta Mercantil, maior jornal de economia do País. Mostrou Cachoeiro e o setor de rochas ornamentais para todo o Brasil. Espalhava-se o sonho da riqueza a partir da pedra bruta. Como dizia a campanha de divulgação da Feira naquele ano: “O Espírito Santo Mostra o Caminho das Pedras”.
Em meados de 1992, o setor de rochas, liderados pelo Cetemag, conseguiu firmar um acordo com a Conferência Interamericana de Frete Marítimo para reduzir custos do transporte para a Costa Leste dos Estados Unidos, beneficiando empresas de vários estados brasileiros. Hoje, com as reformas nos terminais do Porto de Vitória, a melhoria nas condições de movimentação de cargas e a construção de novos e modernos terminais retroportuários na Grande Vitória, o Espírito Santo se tornou a principal porta de saída do setor de rochas ornamentais do Brasil.