quarta-feira, 24 de junho de 2020

Todos os Vagabundos do Brasil


Nas duas últimas décadas, a correlação entre o aumento do tráfego de informações, via internet, e a expectativa da população por ganho de cidadania não anda nada bem. Penso que, na medida em que a sociedade passou a dialogar mais de forma endógena, via redes sociais, também passou a ter mais premência de resolução de seus direitos básicos, como o atendimento à saúde, à educação de qualidade, à celeridade da Justiça, à segurança e ao saneamento básico, entre outros.
A resposta do Estado pela via democrática a esses direitos não ocorre na velocidade esperada, fazendo com que a população culpe a classe política, especialmente os poderes Legislativo e Judiciário, que não têm acompanhado, apesar de todo o desenvolvimento tecnológico de nosso tempo, o atendimento às demandas civis, políticas e sociais da população, especialmente dos pobres. A título de exemplo, cito a morosidade que faz com que processos judiciais de interesse popular, ou que têm como requerentes as pessoas pobres, demorem décadas para serem solucionados, enquanto as ações que beneficiam pessoas ricas ou grandes corporações são julgadas de forma célere.
Por sua vez, vemos projetos de interesse popular, como o PL que moderniza a oferta de serviço de saneamento no país, tramitando há anos no Congresso, sem solução, deixando milhares de pessoas reféns do esgoto a céu aberto e da falta de água tratada. Entrementes, o principal direito político do cidadão, o voto, está encardido por uma prometida, mas nunca concretizada, reforma política, que há mais de uma década dormita no Congresso. Seu único avanço, a Cláusula de Barreira, que acabaria com a farra da criação de legendas partidárias - votada aprovada pelos congressistas - foi barrada pelo Judiciário, numa ação que os próprios ministros do STF hoje julgam equivocada.
Nossos direitos civis estão sendo aviltados quando a Lei funciona bem para os ricos e ignora os pobres; quando presos que já cumpriram suas penas continuam amargando o cárcere; quando pessoas que necessitam urgentemente de serem operadas num hospital têm que entrar numa fila de espera que pode custar suas vidas. Cidadãos aguardam uma eternidade no telefone para serem atendidos condignamente pela operadora de telefonia, que, por puro escárnio, não cumpre o que está determinado na lei, que é ter como primeira opção falar com a atendente. Não há regulação nesse sistema capitalista brasileiro. As agências reguladoras estão vendidas às corporações e operando ao sabor da classe política.
Enquanto isso, a elite está discutindo o paradeiro da mulher do Queiroz. Digo elite porque o pobre tá cagando e andando para isso. Ele quer é que a operadora de celular pare de aumentar suas contas sem que sejam consultados, que suas demandas judiciais sejam atendidas (sem virar precatório), que seu filho tenha um bom ensino, que os preços baixem, e que as reformas que possam melhorar suas vidas sejam votadas, com ou sem Bolssonaro.
Essa lentidão de resolver as coisas, fato comum no processo democrático, confronta-se com um mundo que evolui de forma acelerada, que consegue criar novas vacinas em apenas um ano, e que recebe na palma da mão um cabedal incrível de informações por minuto. Esta situação estabeleceu um paradigma que precisa ser estudado e compreendido. É necessário entender a real função dos Poderes Democráticos constituídos, na modernidade, para podermos compreender melhor o que essa nova geração espera deles. Daí a aversão ao Legislativo a ao Judiciário, constatadas pelas manifestações de rua, sendo transfiguradas pelas agressões de alguns imbecis à própria democracia.
Torna-se importante a vigilância sobre a tentativa dos juízes e políticos de censurar o único espaço que nos resta para desabafar, as redes sociais. Existe fake news sim, e vamos ter que conviver com elas. Chamar ministro do supremo de vagabundo é um direito meu, assim como chamar o presidente de energúmeno e nazista. Por que podemos dizer “Fora Bolssonaro”, “Fora Lula”, “Fora Dilma”, e não podemos gritar “Fora Ministros do Supremo”, seus vagabundos. Ir contra a democracia seria se eu fizesse algo de fato contra a democracia, concreto, que não seja apenas retórica. Então, vamos dar um viva aos vagabundos do Brasil. Vivaaaa! Eu heim!

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Eu, Paulo Henrique e a peste


Pensei muito antes de escrever este artigo, o mais certo era de que não o faria, mas a morte do jovem Paulo Henrique Feu de Azevedo, 30 anos, na madrugada de segunda-feira, 1º de junho, mudou muita coisa em mim. Paulo deixa duas filhas órfãs e uma grande interrogação na forma como estamos enfrentando esta peste que vem causando estragos em famílias, municípios, estados e nos governos mundo afora, a Covid 19.
A notícia da sua morte deu-me arrepios, enjoo, uma sensação mórbida. Fizemos o mesmo périplo pelas UPAs de Cachoeiro, e no mesmo período. É bem provável que tenhamos nos cruzado nas recepções ou nas enfermarias da Marbrasa ou do Paulo Pereira, procurando pela mesma coisa: alívio para nossas dores e respostas a nossas mazelas.
Ambos tivemos noites de insônia, de muita preocupação com os filhos, com a família, com o que vem depois. Ambos tivemos aquele pressentimento de que a morte estava nos espreitando, nos empurrando devagar ao precipício. Nessa hora, não se chora, não se sabe o que fazer, somos pó, só isso, um grãozinho de nada clamando a Deus pela vida. Nesse momento, a espiritualidade nos reprime e conforta, castiga e perdoa, por fim, responde-nos com perguntas sem respostas.
Tanto o resultado do Paulo Henrique quanto o meu deram negativo para o Covid19. Todavia, não nos disseram do que padecíamos. De fato, ele morreu, eu sobrevivi. Paulo foi enterrado em caixão lacrado, sem velório. Deixou a família em pedaços, querendo aquelas respostas que não existem. Ele partiu, eu não... Em algum momento, nossos destinos mudaram de rota.
Meu problema começou com uma dor na vesícula, velha conhecida. Dessa vez, veio mais forte, insuportável. Desesperado, como se agulhas perfurassem minhas entranhas, fui seis vezes à UPA da Marbrasa em busca de sedativos, num espaço de apenas quatro dias. Não tenho do que reclamar do atendimento, dos médicos, ou mesmo das enfermeiras. Todos fizeram a sua parte num sistema repleto de erros de origem.
Quando as pedras da vesícula deram sinal de que me poupariam, outros sintomas começaram. Febre, dor de cabeça, coriza, e a sensação de estar sendo atacado por dentro. Telefonei para o médico, que me receitou antibiótico contra pneumonia. Dois, três, quatro dias, e nada. Liguei novamente e expliquei o que se passava.
Ele me receitou hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e um composto à base de zinco para reforçar a imunidade. Obedeci, só não consegui a hidroxicloroquina, que estava em falta. Havia uma guerra política contra essa medicação. O médico a substituiu por um remédio de nome Annita, à base de nitazohanida. Dois dias de suador, daqueles de encharcar o lençol. Adeus febre, dores e sensações da peste.
Nesse meio tempo, fui à UPA do Baiminas fazer o exame que chamam de “Suave”, para detectar a Covid19. Enfiaram um canudinho no meu nariz e rasparam minha garganta, lá onde faz vômito. Prazo estimado para o resultado: 15 dias. Ciclo do vírus, 14 dias. Bom, pensei cá com os meus botões em procurar algum médium e já deixar negociado o repasse do resultado ao além, em caso de infortúnio.
Não precisou. Dois dias depois a Prefeitura mandou uma equipe a minha casa para fazer o tal teste rápido, o mesmo que fizeram no Paulo Henrique e que deu negativo. Em mim também, mas recomendaram manter o confinamento até sair o resultado do “Suave”. Três dias depois ligaram para me dar a boa notícia: eu não tinha a peste. Então, era o quê? E o Paulo Henrique?
As perguntas acima ficarão como aquelas que fizemos na hora do sufoco, de olhos fechados, buscando o infinito, e respondidas com outras perguntas sem respostas. No fundo, acho que te conhecia, Paulo. O sorriso que exibe na foto do site e a sua aparência me parecem bastante familiar. Tenho rogado todos os dias por sua alma, por suas filhas e sua família. Fica com Deus, amigo.