Manhã tranquila. Tenho que ir a
Vitória. Entro no ônibus da Planeta, aquele parador, que vai arrebanhando passageiros
estrada afora. Em três horas chego lá, calculo.
Escolhi a poltrona 17, na janela. Sentei-me. À minha direita, a janela de emergência avisa
que, em caso de acidente (se colidir, capotar, pegar fogo) "puxe a
alavanca e empurre". Mas a alavanca da 13 também tem que ser acionada.
Sei não... E se o sujeito da 13 não levantar a alavanca?
Relaxo. Vou abrir a janela para
tomar um ar. Cadê a janela? Na 17 não há janela. Aliás, tem duas, mas quem as
controla são os assentos 15 e 21. Estava encurralado. A 15 abriu uma fresta,
que alívio!
Vou colocar o pé no descanso embaixo
da 15. O espaço é curto, meu joelho dói. Levanto o descanso, enfio os pés e
estico as pernas. Simultaneamente, o sujeito da frente encolhe as pernas e
nossos sapatos se encontram no território dele. Recolho os pés. Vou com o joelho doendo mesmo. Pensei em fumar,
mas estava fora de questão.
O ônibus parou em Rio Novo para
arrebanhar passageiros. Entra um caboclo gordão, de corpo cabeludo. Trajava camiseta
justa, deixando à mostra o contraforte umbilical. Olhou para o fundo. Deve
estar procurando lugar pra estacionar. A 16 estava vaga. Olhei o descanso de
braço ao meu lado esquerdo e baixei-o, rapidamente. Pousei o antebraço nele.
Não deu outra, o sujeito ocupou a
16. Ajeitou o popozão, bem apertadinho, procurou lugar para o cotovelo, sem sucesso,
balançou o corpanzil, insatisfeito, e deixou o braço no colo. Ficou meio torto.
Por que não escolheu outro lugar. O vento é pouco, a 15 controla a janela.
Deitei a poltrona até o cabo.
Estiquei a perna, esbarrei no calcanhar da 15, só de implicância, fechei os
olhos e senti uma espécie de solavanco na retaguarda. Penso que a invadi o
espaço aéreo da 19. O contra-ataque veio com a joelhada por detrás. Teve a
segunda, a terceira. Já ia perdendo a paciência quando chegamos a Iconha.
O coletivo esvaziou. O sujeito ao
lado, ato contínuo, foi pros fundos, ajeitando-se na 27. Na retaguarda também
houve uma trégua, sentou-se uma velhinha de pernas curtas. Mesmo que quisesse,
não alcançaria a 17. Nada mais a incomodar-me.
Entrou uma universitária bonitinha,
mascando chiclete. Sentou-se na 16. Educadamente, afastei o cotovelo do encosto.
A distinta, solenemente, ignorou minha gentileza. Colocou uns fios no ouvido,
ligou o smartfone e fechou os olhos.
Sem joelho nas costas, sem guerra
de encosto, a 15 vazia e a 16 inerte. Comecei a ficar profundamente incomodado.
Ps: Crônica inspirada em "Recado ao Senhor 903", do mestre Rubem
Braga.
Ri horrores... excelente.
ResponderExcluirQue bom, Katy!
ResponderExcluirEi! Otima Basilio! Quem ja nao viveu essa experiência??? Kkkk bjo
ResponderExcluirQuando preciso, escolho a 1 ou a 3.Nada nem ninguém incomoda. Vc escolheu mal...Rsrs😁 Que não lhe falte inspiração. Parabéns por essa iniciativa, sucesso!!!!!🍻
ResponderExcluirBacana o texto! Dá para se sentir o próprio passageiro da poltrona 17.
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