domingo, 19 de abril de 2020

Saudade, só isso..



Nesses tempos de isolamento tem dias em que um turbilhão passa por nossas cabeças. À noite, nos deparamos sem querer com as profundezas dos nossos inconscientes e nos apegamos a algo que perdemos em algum momento, ou que deixamos passar, como aqueles cometas que só nos aparecem duas ou três vezes na vida. Não seria justo dizer que não vi um desses. E que não passou brilhando intensamente no meu horizonte.
Hoje não é dia de escrever para os jornais, então vou ao computador trabalhar num livro que nunca começa e noutro que nunca termina. Releio os que já estão prontos. Contudo, algo me incomoda. Esta noite tive um sono sereno. Em meus sonhos assisti a um filme lindo. O cometa estava lá, com o mesmo brilho de tantos anos atrás.  Sim, o tempo não parou. Meu sono foi interrompido pela cadelinha cheirando meu rosto, respirando ofegante minhas recordações.
Dos cometas que perdi, ainda hoje vejo seus rastros no céu, bem distantes. Fico curioso de saber dos seus destinos. Talvez eu não os tenha observado o suficiente, ou o fizera de forma errada, míope. Suas marcas ainda estão por aqui, suas fugacidades, suas trajetórias errantes, suas impaciências siderais. Não sei se lhes deixei algo, mas gostaria que tivessem uma gota que fosse de felicidade guardada nos seus núcleos rochosos, nos seus corações gasosos, se é que cometa tem coração.
Os cometas passam. Depois vêm outros. Casei-me. Dessas uniões, tive dois filhos maravilhosos. Um com 26 outro com 6, meu caçulinha. Agarrei-me ao último, com quem viajo pelo espaço, ora enfrentando tempestades de meteoritos, ora num vácuo sombrio e escuro, e ora bem próximo ao aconchego da luz do sol. Outras tantas vezes admirando as estrelas, as que estão logo ali, e aquelas que já se foram do nosso alcance. É a vida. Paixão, amor, angústia e intempestividade. Para mim, são os ingredientes que fazem a vida ser tão intensa e enigmática como os cometas. Mas a saudade, essa sim, nos faz realmente sentir vivos. Faz-nos ver que passamos por aqui, que estamos em algum lugar, como os cometas.

Por Basílio Machado – jornalista e professor

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